quarta-feira, 19 de agosto de 2009

"Sinto medo nas ruas estranhas e vazias, mesmo naquelas velhas que conheço cada pedaço de paralelepípido puído formando desenhos tristes com suas árvores sozinhas remoendo pensamentos absurdos, embalando o vento de chuva chegando que eu deixo bater na minha cara de gente sem rumo, enquanto lembro da tua boca dizendo que não, dizendo sempre "talvez, mas acho que não...pq isso & aquilo & aquel'outro &..." eu escuto um barulho esquisito mais alto que o vento e o sopro das árvores numa melodia pitoresca que me faz sentir o cheiro de três anos atrás quando eu não te conhecia & não sabia da tua arte ou dos teus encantos & não era louca pela tua boca cuidadosamente desenhada & vermelha e nem conhecia o teu toque ou sonhava as noites inteiras tomada de cólera degenerativa, permaneci no canto da rua sem movimento e olhei a hora num súbito impulso de lucidez pús-me a andar de vagar pelo meio da rua escura ao lado de cães latindo & gatos miando sem parar, com insetos & morcegos & bichos feios do mato, juntos comigo, uma legião de seres muito mais vivos que eu, quis sentar com eles e contar-lhes tudo em mil detalhes no tempo apenas de acender um cigarro do maço de Hollywood vermelho amassado com o penúltimo palito da caixa de fósforo & sereno, mas continuei andando com a esperança na goela de encontrar algum velho boteco aberto pra buscar consolo num gole de trago bem forte, tilintam copos no meio da noite diretamente da rua estreita à esquerda & vou atrás dos copos quebrados que levam à uma casa azul-antiga de madeira gasta pelo tempo que me serve uma bela garagem-bar, bem pequena com quatro mesas de madeira & cadeiras de palha encardida em frente ao balcão cheio de imagens de santos padroeiros de sabe-se lá onde, que me espreitam com o brilho nos olhos de papel alumínio usado enquanto o velho magro e esguio de barba mal-feita & trapinhos sujos salta de trás do balcão atencioso me pedindo " Oq seria?", peço " Uma dose de conhaque barato sem gelo!" que viro num gole enquanto observo os dois bêbados bem-vestidos na ponta do balcão falando num tom melancólico do casamento de 16 anos, do emprego frustrado, das dívidas interplanetares por culpa de quem & dos bons pecados de tempos que não voltam mais."

Um comentário:

  1. gosto do tom de sonho que conseguiu dar pra esse texto. das imagens que sugerem cores & cheiros como fotografias antigas ou um quadro pintado à óleo que se encontra num porão úmido.

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